terça-feira, 24 de março de 2009

Mota Infernal – A história de um mito que incendiou as ruas de Rana!


Tomei a liberdade de transcrever esta crónica super interessante escrita pelo meu primo Paulo Simões.
Estava-se em 1987-88 quando finalmente surgiu a hipótese de ter uma mota. Caramba uma mota.
E que mota!

Até aí o meu contacto com motas tinha sido apenas com os meus primos Paulo e Júlio. O meu paizinho nem queria ouvir falar nestes veículos quanto mais ver-me montado num. Mas eis que surge o dia mais esperado. Um tio meu, que tinha uma ‘espécie de mota’ (que tinha sido do meu primo João) na garagem, diz-me para um dia, se eu quiser, ir lá buscá-la, que me a oferecia.
Ora eu, nos meus 14-15 anos de idade vi logo ali a oportunidade de ter uma MOTA. Pois não perdi tempo, e no dia seguinte lá estava eu para a ir buscar. O meu tio ficou um pouco surpreendido com a rapidez da decisão mas claro, passou-me a mota para as mãos e lá fui eu, com um amigo, levando-a à mão desde Matarraque até à minha casa, em Rana.
Esta mota tinha sido montada pelo meu primo Paulo Gomes, o qual poderá explicar melhor todo o desenvolvimento de engenharia do projecto e construção deste veículo. O motor era Sachs.
Bom, os primeiros dias foram de descoberta. Limitávamo-nos a descer a rua, como se fosse uma bicicleta e a ouvir o escape da compressão a sair pelo buraco da vela! Que pinta heim?
Numa segunda fase decidimos que aquilo tinha que trabalhar. Lá comprámos uma vela. Enchemos o depósito de gasolina. Um ficou de extintor na mão, e lá a pusemos a trabalhar. Ficámos maravilhados com o som que era cuspido pelo escape!

Então era assim: Enchíamos o copo do carburador até transbordar e era o suficiente para ir até ao fim da rua e voltar ao ponto de partida, que era numa pequena descida.

Certo dia fiz uma descoberta fantástica num livro de bicicletas e motas do Circulo dos Leitores: -Havia uma bóia para controlar a entrada de gasolina no copo do carburador! Fantástico. Foi só ir à oficina da Rebelva e lá se comprou a milagrosa peça.

Notas soltas e alarvidades de jovens:

-Todos os dias tinha que se colar uma pastilha mastigada na parte inferior do depósito, que era no interior do quadro, para estancar uma fuga de gasolina que tinha.

-Quando nos aventurámos no todo-o-terreno tivemos alguns problemas técnicos. O banco tinha o mau hábito de saltar fora do sítio. A chapa da matrícula (das amarelas) um dia sumiu-se de vez! Havia cronometragem com tabela de tempos e tudo!

-Esta mota tinha uma coisa boa. Tinha um farol que parecia um projector de anti-aéria da 2ª grande guerra! Principalmente em alta rotação, claro.

-As mudanças (duas) eram no volante, tipo vespa.

-A corrente por vezes partia. Seguia-se um pico de rotação e olhando para trás lá estava ela caída na estrada. Parecia uma cobra…

-Então e esta: E que tal encher o motor de óleo até transbordar e arrancar assim? O motor até parecia que alargou, pois era só óleo a sair pelas juntas! (total ignorância mecânica…)

-Para a pôr a trabalhar era preciso ‘pedalar’ 90º para a frente, pois este motor tinha encaixes para pedais em ambos os lados.

-Por vezes o acelerador prendia e antes que o motor estoirasse tinha que se improvisar um corta corrente. Cheguei a puxar à pressa o fio da vela. Resultado: com uma rotação do diabo o fio tocou-me nos dedos!... Esticão violento, mas rápido!

-Travões não era o ponto forte desta mota. Ainda assim o traseiro travava qualquer coisa!
Certa vez, com um amigo a pendura (não havia peseiras traseiras), num carreiro passámos por cima dumas pedras. Ao mesmo tempo travei. Fez uma travagem como nunca tinha feito. Explicação: o meu amigo tinha ( com a trepidação) enfiado a bota (com o pé) nos raios da roda traseira!...

-Subidas: Não subia. O pinhão de ataque estava gasto (parecia um asterisco com gel…). Quando começava a patinar era altura de virar para baixo. Depois lá se comprou um pinhão novo, mas força para as vencer, nada.

-Esta maravilha da técnica que originalmente era amarela foi um dia pintada com tinta de água branca (ver foto). O aspecto de gesso nem era problema. Chatice era a chuva…

-O local mais afastado de casa que fomos, foi até ao quase onde hoje é o Oeiras Parque. Entretanto vimos uma camioneta da PSP, assustámo-nos e voltámos logo para trás.

- Cheguei ao ponto de mudar os segmentos do piston. (à primeira tentativa, parti-os, claro!)

-A mota andava uma temporada e passava outra parada, com o motor desmontado em cima de uma mesa na minha arrecadação, até ao dia que voltava a vontade de voltar a andar na bicha e então toca a montá-la.

- O fim deste monstro de duas rodas aconteceu no dia que recebi uma Casal Boss novinha em folha. A pobre mota infernal foi lançada para um barranco à beira da estrada da Rebelva para S. D. de Rana e nunca mais soubemos nada dela. Só fiquei com o pinhão de ataque e o cachimbo da vela…

Com a Boss foi a chegada da liberdade. Podia então ir onde quisesse sem problemas de leis ou de fiabilidade da máquina.

5 comentários:

Erg disse...

Fabuloso, parabens pela aventura..de outrora

Tambem tive uma boss com a qual fiz coisas impensaveis.
adorei

Paulo Gomes disse...

Esta máquina, produzida no meu "atelier de mecânica" é o resultado da utilização das mais refinadas sucatas: O motor, um antiquissimo Sachs, o quadro de uma velha Saxonete já tinha servido durante muitos anos como poleiro numa capoeira. Todo o conjunto foi montado recorrendo ás mais modernas tecnologias tais como a pistola de pintura artesanal que funcionava com o aspirador (inspirado no modelo original pertencente ao Fernando Luis).
Não havia dinheiro mas havia uma grande vontade em ter uma mota e a coisa saiu para a rua!
Foi montada para o meu primo João que mais tarde passou ao nosso primo Paulo que a utilizou em pleno como podemos verificar pelo post.

Bons tempos!

MS disse...

Tive uma moto dessas! mas a "Bofia" fez o favor de ficar-me com ela. Pegava de empurrão,porque não tinha "Kick".

São aventuras como esta que nos enriquecem a memória, e nos preparam para o Futuro.

São Domingos de Rana? Havia uma oficina de motos na ( penso que ) azinhaga das bicicletas, em Tires, uma rua estreitinha junto ao centro da vila. Ia lá muitas vezes visita-la quando estava em Portugal.

Paulo Gomes disse...

Essa era a oficina do "bexigoso".Está actualmente fechada por comportamentos menos correctos por parte do seu proprietário.

Sílvia Ribeiro disse...

Adorei a estória! Para além da poesia da história, a forma como foi escrita, ainda a tornou mais deliciosa.
Só o título incendeia a imaginação!
Agora fiquei com vontade de experimentar dar umas voltinhas numa motinha daquelas e só melhorava se fosse pelas ruas de Rana.