Tomei a liberdade de transcrever esta crónica super interessante escrita pelo meu primo Paulo Simões.
Estava-se em 1987-88 quando finalmente surgiu a hipótese de ter uma mota. Caramba uma mota.
E que mota!
Até aí o meu contacto com motas tinha sido apenas com os meus primos Paulo e Júlio. O meu paizinho nem queria ouvir falar nestes veículos quanto mais ver-me montado num. Mas eis que surge o dia mais esperado. Um tio meu, que tinha uma ‘espécie de mota’ (que tinha sido do meu primo João) na garagem, diz-me para um dia, se eu quiser, ir lá buscá-la, que me a oferecia.
Ora eu, nos meus 14-15 anos de idade vi logo ali a oportunidade de ter uma MOTA. Pois não perdi tempo, e no dia seguinte lá estava eu para a ir buscar. O meu tio ficou um pouco surpreendido com a rapidez da decisão mas claro, passou-me a mota para as mãos e lá fui eu, com um amigo, levando-a à mão desde Matarraque até à minha casa, em Rana.
Esta mota tinha sido montada pelo meu primo Paulo Gomes, o qual poderá explicar melhor todo o desenvolvimento de engenharia do projecto e construção deste veículo. O motor era Sachs.
Bom, os primeiros dias foram de descoberta. Limitávamo-nos a descer a rua, como se fosse uma bicicleta e a ouvir o escape da compressão a sair pelo buraco da vela! Que pinta heim?
Numa segunda fase decidimos que aquilo tinha que trabalhar. Lá comprámos uma vela. Enchemos o depósito de gasolina. Um ficou de extintor na mão, e lá a pusemos a trabalhar. Ficámos maravilhados com o som que era cuspido pelo escape!
Então era assim: Enchíamos o copo do carburador até transbordar e era o suficiente para ir até ao fim da rua e voltar ao ponto de partida, que era numa pequena descida.
Certo dia fiz uma descoberta fantástica num livro de bicicletas e motas do Circulo dos Leitores: -Havia uma bóia para controlar a entrada de gasolina no copo do carburador! Fantástico. Foi só ir à oficina da Rebelva e lá se comprou a milagrosa peça.
Notas soltas e alarvidades de jovens:
-Todos os dias tinha que se colar uma pastilha mastigada na parte inferior do depósito, que era no interior do quadro, para estancar uma fuga de gasolina que tinha.
-Quando nos aventurámos no todo-o-terreno tivemos alguns problemas técnicos. O banco tinha o mau hábito de saltar fora do sítio. A chapa da matrícula (das amarelas) um dia sumiu-se de vez! Havia cronometragem com tabela de tempos e tudo!
-Esta mota tinha uma coisa boa. Tinha um farol que parecia um projector de anti-aéria da 2ª grande guerra! Principalmente em alta rotação, claro.
-As mudanças (duas) eram no volante, tipo vespa.
-A corrente por vezes partia. Seguia-se um pico de rotação e olhando para trás lá estava ela caída na estrada. Parecia uma cobra…
-Então e esta: E que tal encher o motor de óleo até transbordar e arrancar assim? O motor até parecia que alargou, pois era só óleo a sair pelas juntas! (total ignorância mecânica…)
-Para a pôr a trabalhar era preciso ‘pedalar’ 90º para a frente, pois este motor tinha encaixes para pedais em ambos os lados.
-Por vezes o acelerador prendia e antes que o motor estoirasse tinha que se improvisar um corta corrente. Cheguei a puxar à pressa o fio da vela. Resultado: com uma rotação do diabo o fio tocou-me nos dedos!... Esticão violento, mas rápido!
-Travões não era o ponto forte desta mota. Ainda assim o traseiro travava qualquer coisa!
Certa vez, com um amigo a pendura (não havia peseiras traseiras), num carreiro passámos por cima dumas pedras. Ao mesmo tempo travei. Fez uma travagem como nunca tinha feito. Explicação: o meu amigo tinha ( com a trepidação) enfiado a bota (com o pé) nos raios da roda traseira!...
-Subidas: Não subia. O pinhão de ataque estava gasto (parecia um asterisco com gel…). Quando começava a patinar era altura de virar para baixo. Depois lá se comprou um pinhão novo, mas força para as vencer, nada.
-Esta maravilha da técnica que originalmente era amarela foi um dia pintada com tinta de água branca (ver foto). O aspecto de gesso nem era problema. Chatice era a chuva…
-O local mais afastado de casa que fomos, foi até ao quase onde hoje é o Oeiras Parque. Entretanto vimos uma camioneta da PSP, assustámo-nos e voltámos logo para trás.
- Cheguei ao ponto de mudar os segmentos do piston. (à primeira tentativa, parti-os, claro!)
-A mota andava uma temporada e passava outra parada, com o motor desmontado em cima de uma mesa na minha arrecadação, até ao dia que voltava a vontade de voltar a andar na bicha e então toca a montá-la.
- O fim deste monstro de duas rodas aconteceu no dia que recebi uma Casal Boss novinha em folha. A pobre mota infernal foi lançada para um barranco à beira da estrada da Rebelva para S. D. de Rana e nunca mais soubemos nada dela. Só fiquei com o pinhão de ataque e o cachimbo da vela…
Com a Boss foi a chegada da liberdade. Podia então ir onde quisesse sem problemas de leis ou de fiabilidade da máquina.